28.02.24 - 03.03.24 + 11. - 12.05.24

Estreia/Première 28.02.22, 21:30
29.02.24 - 01.03.24, 21:30
02.03.24 - 03.03.24, 18:00
Teatro do Bairro
Rua Luz Soriano, 63
1200-246 Lisboa
11 - 12.05.24
Teatro Municipal Joaquim Benite
Av. Professor Egas Moniz
2804-503 Almada
Os Pachecos chegaram no comboio sempre atrasado das 12:26, estava um lindo sol de Dezembro. Chegaram cedo, no limiar do primeiro esgotamento que nos levou a fixar-nos no Está Bem e aqui podermos recebê-los o melhor possível. Antes do dormitório estar, completamente, pronto, muito antes do desenho do jardim estar finalizado, a anos luz de chegarmos à quinta pedagógica, antes ainda de nos sentirmos prontos para abrir as portas à vizinhança. Tínhamos acabado de organizar a sala de trabalho a que já chamamos biblioteca e de pôr um disco do Vitorino a tocar no café que, então, inaugurámos, enquanto bar, ao final de cada dia. Atrasámo-nos com o almoço e depois, rapidamente, nos encontrámos no Espelho D’Água, em Santa-Clara-a-Velha, escutando o ponto da situação de construção do espectáculo que agora estreia no Teatro do Bairro, em Lisboa, “Morto o Cão, Acabou-se a Fúria - A Vida de Luiz Pacheco”. Lembramo-nos, sobretudo, da voz cristalina de Cláudio da Silva, da esferográfica de Pablo Fidalgo Lareo no papel e da atenção incondicional de Carolina Dominguez ao trabalho. Assim foi nos dias que se seguiram, com algumas conversas que partilhámos à mesa ou em redor do balcão, cremos, que estabelecidas mais a partir dos laços vetustos de amizade que nos sustentam que dos pressupostos artístico-ecológicos a que, poucos meses antes, nos propuséramos. Explicamos: esta residência artística, a primeiríssima a ter lugar no ano zero da fundação da nossa Associação em Portugal, aconteceu numa vertigem e ausência de preparação de fundo opostas às nossas intenções pessoais. Não obstante a falta de fundos financeiros para uma colaboração dramatúrgica e/ou tempo da nossa parte para futuro apoio técnico ao espectáculo, a nossa expectativa numa comunicação prévia atempada e atenta aos pormenores é condição de que não estamos dispostos a abdicar, nem que para isso tenhamos que aprender a recusar descobrirmo-nos, espontânea e exclusivamente, em tarefas básicas de gestão dos espaços comunitários e da preparação de refeições ou prossecução de limpezas.
Fazem parte integrante da nossa mudança da metrópole, no centro da Europa, para o interior da serra, no Alentejo, uma desaceleração e uma redução de consumo e produção de lixo que queremos, imprescindivelmente, partilhar com os residentes que, em trabalho ou em lazer, nos visitem. Acreditamos mesmo ser essa a maior valência da nossa proposta. Se, no futuro, faremos ou não parte das equipas criativas e/ou científicas, em residência, de cada projecto dependerá, sendo que sem a participação efectiva dos visitantes nas tarefas de regeneração do meio ambiente e das interacções sociais, pouco espaço crescerá para colaborações genuínas e sustentáveis.
Da residência dos Pachecos fez parte a ocupação da casa geminada à sede da Associação, casa essa que se encontra ainda desabitada e à espera de obras urgentes. Foi esta ocupação, que nos obrigou a alguma arrumação e limpeza prévias, que mais nos surpreendeu e alimentou, precisamente, pela autenticidade do tempo que ali se viveu e pela memória que estabeleceu. Passou-se, certamente, algum frio e resistência à ausência de comodidades, para além da austeridade dos materiais de trabalho à disposição, mas foi lá também que tivemos o privilégio de assistir aos primeiros esboços deste espectáculo em tempo real. No penúltimo dia, abriram-se o jardim, a sede e essa casa a alguns vizinhos e curiosos que, pela primeira vez, ali entraram e conosco cozinharam, comeram e conversaram. Falou-se em português, em castelhano e em alemão, das estórias dos que já cá não estão às preocupações dos que ainda aqui resistem, explorando-se o tema da fuga de classe a partir da vida de Luiz Pacheco, como da saúde das vacas, dos cães, da ribeira e dos campos por cultivar, em torno de uma feijoada vegetariana com couves da horta e vinho tinto da região. Depois comeram-se bolinhos fritos da D. Angelina e medronho do Mário, aqui onde não há um sumo específico ou um bolo jeitoso no café da aldeia mais próxima e, aliás, no qual, a respeito do nosso cartaz da oficina de escrita para teatro, se ouviram proferir as seguintes palavras: cona de estrangeiros!
Foram momentos inesquecíveis. Se úteis ao tempo dos Pachecos, eles saberão.
Rita Ferreira e Luís Gabriel
“Esta é a minha memória de burguês desclassificado
Renegado, repudiado, esquecido
Tudo está à venda por aqui
A luz, o sol, as margens, as praias, o mar, as montanhas
Tudo é vendido à melhor licitação
Não faz mal que eu o diga
Comigo têm acesso imediato à verdade
O que na rua apenas se insinua, digo-o sem censura
Essa é a minha doença
Não me sei calar, não sei adaptar-me, não sei fingir
Só sei distribuir a miséria, só sei descrever os corpos que toquei
Só sei dar testemunho do que supostamente não se pode ver nem tocar
Essa é a minha contradição
Dizem-me conta mais, conta mais daquilo que vês
Mas supostamente não deveria, mas já que comecei
Já que me precipitei devia dizer o que há no fundo da noite”
Pablo Fidalgo Lareo

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