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2013-2017
Observação e design do espaço urbano comunitário
em manutenção
Em 2013, o pátio de cerca de 100m2 constituía-se, exclusivamente, de quatro árvores autóctones (três sabugueiros [Sambucus nigra] e um vidoeiro [Betula pendula]) e de uma invasiva (a acácia [Robinia pseudoacacia]), para além de uma macieira raquítica [Malus domestica]. Cinco destas seis árvores estavam plantadas em redor, dentro de canteiros de cimento, sem vegetação que se visse a cobrir o solo empobrecido em tons acinzentados, revelando escassos nutrientes. Um único sabugueiro tinha sido plantado ao centro. A restante superfície, a maior parte da área total, era feita de pequenos ladrilhos de pedras assentes numa cama de areia e pedra. No centro o ladrilhado era diferente, deixando antever terra em losangos com resquícios de ervas daninhas. De um dos muros de tijolo de argila caía, sazonalmente, a vinha-virgem e as folhas das cerejeiras vizinhas [Prunus avium], cenário agradável o suficiente para que um vizinho tivesse já disposto de uma mesa comunitária e de um pequeno churrasco, instalado um baloiço e começado a usar o espaço para convívio e sessões fotográficas. Foi a esta paisagem humana que nos juntámos, entre bicicletas acorrentadas a árvores, beatas no chão e, ocasionalmente, um carro estacionado ou um amontoado de paletes.
Dos dez apartamentos e três escritórios que integram dois edifícios pertencentes ao mesmo proprietário, alguns bastante pequenos e com rendas e custos de manutenção, exponencialmente, impagáveis, representávamos agora dois deles, três pessoas apenas, na tentativa de tornar o espaço comum no pátio mais agradável. Trouxemos mobília para acolher mais pessoas, bem como as primeiras culturas em vasos: morangos, tomate-cereja, girassóis e algumas ervas aromáticas, entre elas salsa, orégãos e coentros. Alargámos a esfera da intervenção ao campo das artes performativas, organizando, por exemplo, um concerto no espaço onde, habitualmente, se estacionavam carros, intervindo, graficamente, nos pedaços de muro revelando vestígios de inscrições anteriores ou recebendo artistas, de forma mais ou menos espontânea, para sessões de improvisação multidisciplinar. A ocupação sócio-cultural do espaço alinhada com a defesa da Natureza existente foi uma preocupação que, logo de início e ao longo dos primeiros três anos, tratámos de partilhar com a comunidade residual.
No início de 2017, as bicicletas já não passavam a entrada do que é agora o jardim, o carro e as paletes tinham deixado de encontrar lugar para estacionar e a continuidade das interacções humanas tinha aberto espaço ao interesse de mais dois vizinhos em integrar a ocupação. O primeiro vizinho, como nunca parou de acontecer em Berlim, tinha-se mudado, legando-nos as aquisições que proporcionaram os encontros inspiradores de diálogos para a fundação de uma comunidade crescente. Durante algum tempo, alimentámos a ideia de acolher o interesse de um terceiro apartamento (agora segundo) na co-intervenção, colaborando no seu desejo de plantar legumes e árvores de frutos. Juntos plantámos fenos, morangueiros e uma pereira [Pyrus communis]. Foi preciso trocar o solo a uma profundidade de 1⁄2 m em cerca de 2m x 50cm de canteiro, que após décadas de pulverizações com pesticidas para exterminar ervas daninhas, exibia sinais claros de contaminação por metais pesados, sem vegetação capaz de os absorver. A generalidade do solo era de fraca capacidade, sem estrutura e sem matéria orgânica, mas a essa primeira tentativa de produção doméstica de legumes e frutos, logo se somaram intenções de o continuar explorando através da plantação de batatas e couves, duas matérias orgânicas que requerem muitos dos seus nutrientes. Certa vez, um dos vizinhos plantou couves em caixas sintéticas sem a preocupação com a retenção das águas. Esta experiência acabou com os contentores cheios de água parada, com um cheiro nauseabundo, plantas mortas por afogamento e, certamente, bactérias e fungos indesejáveis. As incompatibilidades na discussão acerca de um plano para a implementação de áreas, plantas e estruturas, juntamente com a ausência de mais voluntários que pudessem, primeiro, alcançar um consenso em torno do conceito e, segundo, co-responsabilizar-se pelo financiamento e pelos esforços de manutenção, depressa se revelaram, evidenciando duas linhas de pensamento: a do consumo do solo para produção a qualquer custo e outra mais preocupada com uma plantação sustentável, tendo em vista a regeneração numa perspectiva de devolução à Natureza.
Enquanto tentávamos estabelecer este diálogo com a comunidade incipiente, carregávamos, diariamente, para a terra elementos naturais ausentes: as pedras, a areia, madeiras e uma combinação de matéria orgânica e bactérias como, por exemplo, pachos de terra saudável. O objectivo era acelerar o processo de regeneração do solo, mas acabou por ser um fogo arrasador no prédio em frente, a 9 de Junho, juntamente com o abate de quatro das seis árvores, na sequência de uma tempestade de Outono que derrubara uma delas, o que veio, sem aviso, determinar o carácter do conceito final para um desenho do espaço. Nestas circunstâncias, e na sequência das primeiras incompatibilidades, a colaboração daqueles dois vizinhos foi, rapidamente, interrompida, não havendo qualquer outro que se juntasse na recuperação não só do solo, mas também na que se seguiu ao resgate urgente de plantas e equipamento. Foram o nosso investimento em formação teórica e prática, com o recurso a cemitérios onde pudemos recolher grande parte das cerca de 160 espécies que constituem, no presente, a matéria verde deste pátio, para além de um compromisso quotidiano para com o seu cuidado e financiamento, que possibilitaram a implementação de práticas de permacultura com vista à criação de um verdadeiro ecossistema e não apenas de um espaço com um jardim insustentável, que não atente aos recursos existentes e em estado de degradação.
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